segunda-feira, 8 de novembro de 2010

A música do Mato Grosso do Sul, influências paraguaias



Diversidade sem fronteiras*

*Matéria realizada em 2004 pelo jornalista e músico Elânio Rodrigues para concorrer ao concurso Rumos Jornalismo Cultural, do Itaú Cultural.

A diversidade cultural do Oeste brasileiro se revela com força na música. Artistas do Mato Grosso do Sul se expressam com alma guarani, influência de onde o Brasil foi Paraguai. Melodias de um Estado novo, formado por muita fauna, flora, rios e migrantes. Terra em busca de uma identidade cultural própria, que se reformula constantemente.

Festival de música TV Record

Era a época dos grandes festivais de música da TV Record. Em Campo Grande outros jovens e ainda inexperientes músicos também se lançavam em concursos locais. Entre eles, a menina Lenilde Ramos. Hoje, aos 52 anos (entrevista realizada em 2004), ela acredita que aquela nova geração de músicos do sul do Mato Grosso ajudou a construir inconscientemente a música urbana influenciada pelos ritmos paraguaios, característica de muitos artistas do atual Mato Grosso do Sul.
É como se cada festival consolidasse mais esse movimento de interações e identificações. Num pedaço do Mato Grosso ansioso pela divisão e independência, uma geração buscava sua identidade regional. Valorizaram seus laços com a Cultura Guarani a partir de outras sonoridades já praticadas. Houve ainda aqueles que aclamaram o universo pantaneiro como forte traço da identidade local. 

Lenilde Ramos

“Tenho uma visão feminina sobre essa influência. O MS já foi Paraguai e nós crescemos dentro dessa barriga, bebendo dessa fonte. Agora, temos um resgate com a música moderna, com uma linguagem definida”, analisa Lenilde. Isso é um processo de reconhecimento de identidade que, entre outras, é guarani. “Esta música está consolidada em nossa corrente sanguínea”, defende.

BACIA DO PRATA
Para o cantor e compositor Guilherme Rondon, 52 anos (entrevista realizada em 2004), a influência veio pelo rio, uma música com o Rio Paraguai através da Bacia do Prata. A identidade local é formada pelas influências das pessoas que vieram para cá e sofre constante alteração. O descompromisso com tradicionalismos deixa os músicos mais livres para interagir com os ritmos da fronteira, refazendo a música com outras formas. “Nós demos nosso tempero. Tem um charme especial que ajuda a criar nossa identidade”. 

Guilherme Rondon

Apesar da boa aceitação demonstrada pelo público, essa música ainda não foi descoberta pelo Brasil e até o sul-mato-grossense desconhece sua riqueza cultural. “A gente é tratado como algo a parte. Os poucos espaços são disputados a tapa. Primeiro, precisamos ser respeitados em nossa casa, sermos queridos, arrastar públicos”. Mesmo assim os artistas locais continuam produzindo porque, segundo Guilherme Rondon, não dependem somente da Mídia. “Os artistas estão abrindo porteiras. Uma hora essa música vai ser descoberta. O público de fora gosta muito, nossa música é adorada lá fora”, destaca.

MÚSICA E HISTÓRIA
Foi numa festa de casamento que a historiadora Carla Villamaina Centeno, 40 anos (entrevista realizada em 2004), se espantou com a força que a música da fronteira exerce na Cultura do Mato Grosso do Sul. A música alegre, executada no baile, era aclamada com gritos pelas pessoas da alta sociedade, que chegavam a tirar os calçados ao dançarem a Polca Paraguaia. “A música é dançada por todas as classes sociais. Parece que essa Cultura une, aproxima as pessoas”, concluiu.
Segundo a historiadora, as crises econômicas do país vizinho, após a Guerra do Paraguai, impulsionou a migração para o Brasil. A maioria dos paraguaios eram tratados como “desqualificados e de baixo nível”. Submetidos à exploração e à miséria, praticavam suas manifestações culturais como uma forma de resistência, para se afirmarem, voltarem às suas raízes, aliviando o sofrimento. Este fato consolidou a Cultura paraguaia como a maior influência estrangeira no Mato Grosso do Sul.
A professora analisa que o Brasil não conhece essa face de seu multiculturalismo.
A valorização da diversidade cultural através da música é apontada como positiva, desde que haja algumas precauções. “É preciso valorizar o regional, porém, sem deixar de olhar para o universal”, pondera Carla.

POLCA NO PARAGUAI
Mas como a Polca se firmou no Paraguai? O educador musical e mestrando em musicologia pela USP, Evandro Higa, 45 anos (entrevista realizada em 2004), estuda a presença desses ritmos no Mato Grosso do Sul. Ele conta que a origem mais provável deste gênero está na mistura da Cultura Guarani com a música espanhola tradicional e as danças de salão do século 19.
Além da Polca, existem outros ritmos mais lentos, como o Chamamé. Outra vertente é a Guanânia, que expressa temas mais melancólicos e amorosos. Há outro ritmo conhecido como Rasqueado, entretanto, Evandro defende que este não é um gênero musical. Rasqueado seria a forma como é tocado o violão ou a guitarra. 




Alguns estudiosos da música brasileira citam essa influência estrangeira como “Paraguaísmo”, fator que teria sido ruim para a música nacional. Evandro critica este pensamento. Esse gênero é de certa forma “sul-mato-grossismo”, devido a ligação ancestral que esta região do Centro Oeste tem com a Cultura Guarani. “Nós temos um ambiente musical que ainda está por ser descoberto pelo Brasil. Uma influência guarani que não há em outras regiões do país”, declara.

É nesse contexto que o cantor e compositor Celito Espíndola destaca a qualidade de conteúdo e de estética da música sul-mato-grossense. “Quanto mais diferente, mais destaque. Essa é a maneira de sobreviver no contexto global, trabalhando muitas vezes contra as tendências”, define.
Para Celito, os músicos sul-mato-grossenses têm influências do cotidiano na memória auditiva. Essa herança cultural é misturada ao contexto contemporâneo, que dá origem a uma música urbana singular. Ela reflete a realidade do sujeito pós-moderno, que tem múltiplas identidades e é multicultural.

 Celito Espindola

POLCA-BLUES, ROCK DE BOTINAS, POLCA-ROCK, GUARÂNIA-REGGAE E GUARÂNEA-JAZZ
Mesmo diante de tantas influências, a Polca Paraguaia ainda persiste. Isso é notável na música dos antigos e novos artistas urbanos que criam diversas releituras dessa influência.
Com toques de sanfona, Lenilde Ramos mostra seu Polca-Blues. Ela também se diz precursora do Rock de Botinas, uma espécie de som definido como “rock para dançar”, que seria um primo da Polca Rock. “O Rock de Botinas é um som que veio do global para a raiz. A Polca Rock vem da raiz para o global”, diz a cantora.
Polca Rock é o ritmo difundido por músicos da nova geração (matéria realizada em 2004), como Jerry Espíndola e Rodrigo Teixeira. No ano 2000 Jerry divulgava o disco Pop Pantanal no Rio de Janeiro, quando o amigo e músico Moska alertou sobre fazer diferença no mercado fonográfico nacional. A música “Colisão” era rock com ritmo ternário soava como algo novo, desconhecido para os músicos e o público.
A fusão musical não era novidade no Mato Grosso do Sul. Jerry já difundia a sonoridade juntamente com a banda Croa, formada por Adriano Magoo, Gabriel Sater, Marcelo Ribeiro e Sandro Moreno. Outros músicos como Rodrigo Teixeira, Caio Inácio e Antônio Porto também contribuíam no amadurecimento da Polca Rock.
“Eu não sou o pai da Polca Rock. Apenas peguei esse nome que, na minha opinião, é apenas um rótulo. Na verdade ele é uma jogada de Marketing. Ficou mais fácil dar um nome a essa fusão”, esclarece.

Jerry & Croa
(da esquerda para a direita: Jerry Epindola, Adriano Magoo, Sandro Moreno, Gabriel Sater e Marcelo Ribeiro)

Esse rótulo seria resultado do trabalho de compositores locais mais antigos. A música “Trem do Pantanal”, de Geraldo Roca e Paulo Simões, é apontada por Jerry Espíndola como “a primeira Polca-Rock oficial”. Apesar dos compositores não reconhecerem essa condição, Jerry defende que eles já faziam Polca-Rock inconscientemente, experimentando ritmos difundidos na região da Bacia do Prata, onde “todos bebem da mesma água”.



Para o caçula da família Espíndola, a Polca-Rock está dentro de um movimento que é a música sul-mato-grossense, que vem do ritmo ternário. “A Polca-Rock resgata esses ritmos, porque a tendência era serem esquecidos. Pelo que sei, no Paraguai o pessoal mais novo não curte a Polca. Já virou coisa de velho”, conta. (entrevista realizada em 2004)
Apesar da resistência de alguns músicos paraguaios, Jerry considera que este é um processo natural, porque tudo vai mudando. Outros grupos estão surgindo e propondo novas misturas como a Guarânea-Reggae, a Guarânea-Jazz, entre outras experimentações. “É um som que não existe no resto do Brasil”, finaliza.

DIVULGAÇAO E MERCADO
Lenilde Ramos, a garotinha que surgiu nos festivais de Campo Grande, amadureceu e agora questiona: “Por quê a música não tem status de produto tanto quanto a soja e o boi? Vamos botar ela no mundo, vamos nos valorizar”, desabafa.
Quanto à falta de divulgação dessa música, Lenilde diz: “a culpa é nossa, você não faz música apenas para você. Se ela tem qualidade a gente tem a missão de botar isso no circuito. Ter a coragem de se infiltrar”.
Para ela o artista deve aprender a “vender seu peixe”. O surgimento de uma geração de produtores culturais no Estado está ajudando nesse sentido.
Falando de contexto local, Celito Espindola defende que as rádios de Campo Grande precisam reformular sua programação e valorizar os artistas da terra. “Falar para quem está próximo, com espaço voltado a localidade, mas, sem ser xenófobo”, destaca. Assim, as emissoras estariam cumprindo seu potencial de inclusão social e cultural.
Sobre os artistas, ele argumenta que é preciso haver uma “convergência de intenções e propostas” para sedimentarem um mercado fonográfico mais forte.

(todas as entrevistas realizadas em 2004)

EXPERIMENTE OUVIR A MÚSICA DO MATO GROSSO DO SUL COMENDO CHIPA, SOPA PARAGUAIA OU TOMANDO TERERÉ:






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5 comentários:

  1. Olá Elânio e Fabíola e todos os morenistas...

    Parabéns por este espaço, conteúdo e forma afinados! Nossa cultura merece e precisa!!

    Um abraço,

    :) Andréa Freire

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  2. Ola!!! sou paraguaya e vivo em MT ja a cinco anos e faz tres q não viajei mais pro Paraguay, sinto ate uma dor no coração de saudades, conheso muito bem a chipa, a sopa paraguaia e o terrere aqui eles me acompanham...saudades do meu Paraguay querido.

    Abraços

    Leila Marilene da Silva

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  3. Que maravilha esse blog, parabéns pela genealidade!!

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  4. Estou fazendo uma pesquisa de ação na Educação Infantil para o meu Projeto de Pós-graduação, e encontro este blog maravilhoso. Adjetivos são poucos pelo o incentivo e entusiasmo em que me encontro. Parabéns. Edna Revoredo

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